Iniciei sozinha minha mochilada linda pelo
Myanmar, aonde cheguei no dia 05-02-2015, de onde saí no dia 14-02-2015. Escolhi a cidade de
Yangoon, como porta de entrada e de saída, através de um vôo da Jet Airways, de
ida e volta partindo e retornando a Delhi, na Índia, local que utilizei como ponto
de partida para os países vizinhos e onde, mais tarde, mochilei durante 17
dias.
Myanmar (antiga Birmânia) é um país enigmático
e que deve ser “mochilado” de um modo diferente dos demais, em razão de sua
história e atual contexto político, uma vez que a forma como nós, viajantes e
turistas, empregamos nosso dinheiro no país poderá ajudar diretamente sua
população que vive na pobreza, ou contribuir para um governo que desrespeita e
abusa dos seus próprios cidadãos. Faz-se primordial, antes de pisar em terras birmanesas,
saber ao menos o resumo de sua história e situação atual.
Um país polêmico e controverso a começar por
sua nomenclatura. O antigo nome, Burma (Birmânia, quando traduzido para o
português), foi alterado em 1989 pela junta militar ditatorial, atual regime que rege o
país. Entretanto, diversos grupos de oposição ao atual regime político ainda
utilizam a terminologia antiga, Burma, uma vez que estes não reconhecem a
legitimidade do atual governo, bem como sua autoridade para alterar o nome do
país.
Acontece que, no Myanmar, reinava o regime
democrático até o ano de 1962, quando o general Ne Win comandou o golpe de
Estado militar, onde governou durante quase 26 anos. Em 1990 (quase 30 anos
mais tarde), foram promovidas eleições democráticas pela primeira vez durante o
governo, momento em que surgiu o partido da Liga Nacional pela Democracia,
liderado por Aung San Suu Kyi, que ganhou a grande maioria dos assentos da Assembléia Popular. Entretanto, o Conselho da junta militar recusou-se a deixar o poder e anulou todos os resultados das eleições, valendo-se de diversas ações sangrentas para tanto, práticas essas fortemente reprimidas pela comunidade internacional. Aung Suu Kyi foi mantida em prisão domiciliar pelo governo e passou a ser vista como símbolo de resistência pacífica pelos birmaneses, ganhando o prêmio Nobel da Paz em 1991.
(Foto extraída do Google)
Em 2000, o governo declarou
que todo e qualquer cidadão que se opusesse ao regime militar e oferecesse
risco para a estabilidade do país seria eliminado. Ou seja: os membros da junta militar de
Myanmar não respeitam os direitos humanos e já praticaram diversos crimes contra
a humanidade, inclusive a prática de trabalho forçado de seus cidadãos. Até mesmo os Estados Unidos, por volta de
1997, aplicaram sanções econômicas contra o regime birmanês, devido ao seu
menosprezo aos tratados internacionais de direitos humanos.
Em 2007 começaram a surgir novos grupos antigovernamentais,
chefiados por monges budistas e cidadãos reprimidos pelo governo, que têm
protestado pela democracia no país. Após longo período de instabilidade
política, em 2011, sob forte pressão, a junta militar foi dissolvida e o
partido de Aung San Suu Kyi deixou de
ser ilegal. A líder, que havia sido solta em 2010, foi eleita deputada.
No entanto a situação do país ainda é de
instabilidade e forte insatisfação. Hoje, Myanmar
tem metade dos 53 milhões de habitantes vivendo na miséria e bate recordes de
pobreza, perdendo somente para a África. A ONU calcula mais de 1.300
presos políticos no país. O governo é formado
por generais obscuros e supersticiosos que em 2003, mudaram a capital de Yangoon
para Naypyidaw, supostamente a conselho de astrólogos. A população só ficou
sabendo dois anos depois, quando os funcionários públicos receberam ordens para
mudar de cidade. A repressão política e o desrespeito aos direitos humanos ainda imperam no Myanmar e o fazem pauta de trabalho na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Até os dias de hoje, governos de diversos países insistem, sem sucesso, para que o atual regime conduza o país à democracia.
E
a essa altura, você deve estar quase desistindo de incluir em seu roteiro um
país que sequer respeita os direitos humanos. Mas pode ficar totalmente tranqüilo
quanto isso. Em que pese todo o seu quadro conturbado, o Myanmar é um dos países
mais seguros da Ásia para turistas independentes. Sim, nisso inclui mulheres. Podem mochilar sozinhas no país sem stress, obviamente tomando os mesmos
cuidados que tomam em qualquer lugar do mundo.
A
dica crucial para quem pretende visitar o país é que, por se tratar de um
regime que não respeita os direitos humanos, advogados não são bem vindos. Mas isso
também é fácil de revolver. Se você é advogado, quando for providenciar o visto
omita essa informação. Diga que é empresário, estudante, do lar ou qualquer
outra profissão que bem entender, exceto advogado, e não terás problema
algum. Sou advogada e fiz isso, me declarei como empresária e não tive
problemas. Nenhum representante birmanês solicitou à OAB informações acerca do
meu registro profissional. Advogada, mulher e sozinha no Myanmar, sem medo de
ser feliz.
Por
essas e outras razões como cultura e costumes, por exemplo, o Myanmar
manteve-se fechado ao turismo pela maior parte do tempo. Estamos falando de um
país que há menos de 5 anos atrás mal possuía atms, que o transporte oficial
nas cidades ainda é a charrete puxada à cavalo, um lugar onde a internet era
censurada e o facebook e emails foram liberados há menos de 2 anos atrás (isso mesmo, dois anos!). Não,
não espere internet rápida em nenhum lugar do país. Um simcard birmanês não lhe
proporcionará mais do que conseguir enviar uma mensagem via whatsapp aos seus familiares de
vez em quando.
Por
outro lado, isso é sinônimo de contato com uma cultura rica e preservadíssima.
Calça jeans é raridade. A vestimenta que os birmaneses usam é o longyi (uma
espécie de saia longa), usado tanto por mulheres quanto por homens. Mulheres e
crianças ainda usam no rosto a famosa Tanaka, uma pasta feita de pó de madeira
usada como maquiagem e protetor solar.
(Longyi Birmanês)
No
mais, bastou algumas das primeiras horas no Myanmar para eu entender porque todos falavam tanto acerca da receptividade daquele povo. O nome deles é carisma
e o sobrenome é resiliência e boa vontade. Não restam dúvidas de que os birmaneses
são o povo mais incrível que você encontrará, seja pela cultura, pela fé
inabalável, pelos costumes preservados, pela alegria de viver mesmo diante de
toda a opressão pela a qual são submetidos por seu governo, e por tudo isso
reunidos a uma boa vontade nata e sincera para lhe ajudar e para tudo que se
propõem a fazer. Um dos povos que mais me encantaram até hoje. Acredito também
que, por pertencerem há um país que ainda tem pouco contato com o mundo exterior possuem
uma inocência natural e desprovida de malícia, algo fácil de impressionar
qualquer brasileiro.
Informações úteis
Moeda:
Kyats. 1 dólar = aprox 970 kyats.
Fuso
horário: + 6h30min em relação ao Brasil.
Olá
= Mingalabar
Obrigada
= Kyai zu be (lê-se “tchai zu bê!”)
Aprenda
essas duas palavrinhas mágicas e use-as quando precisar. Isso vai lhe render
bons sorrisos e até mesmo um desconto extra na hora de pechinchar. Sim, claro,
a boa e velha pechincha não pode ficar de fora, principalmente nos artesanatos.
Todos
dizem para levar dólares em notas absolutamente lisas, sem qualquer tipo de
rasura ou dobradura, pois em alguns lugares eles não as aceitam neste estado. De
tanto ler isso nos relatos eu procurei levar tudo lisinho e bonitinho, mas,
sinceramente, não vi nada disso por lá. Ninguém sendo barrado na entrada dos
templos, nem no câmbio nem em lugar algum por causa de uma notinha levemente
amassada. O que acontece de fato é que eles valorizam muito mais as notas de
100 e 50U$ na hora de cambiar. Estas possuem uma cotação muito mais
favorável para nós quando comparadas as notas de 10 e 5U$. Portanto, vale a pena
levar notas altas e trocar valores cheios, e não picados.
Não são todos os lugares que aceitam dólares,
e quando aceitam aplicam a taxa que lhe convém, ou seja, você sempre sairá no
prejuízo. Em restaurantes, taxis e ônibus é melhor pagar tudo com kyats, pois
do contrário você perderá dinheiro na conversão deles.
Precisará
cobrir pernas e ombros para entrar em qualquer templo no país, portanto, vá
preparado ou leve lenços para cobrir-se, se não quiser gastar comprando um com
um precinho pra lá de caro na porta do local.
Para
ajudar os birmaneses busque sempre fazer um turismo consciente. Alguns serviços
e estabelecimentos como hotéis mais luxuosos, restaurantes mais chiques, vôos, etc.,
repassam a maior parte da verba recebida para o governo. Muitos, inclusive, são
estabelecimentos oficiais do governo. Para evitar que seu dinheiro vá parar nas
mãos de um regime militar que oprime a própria população procure hospedar-se em
pousadas familiares, comer em restaurantes locais e comprar artesanatos nas
ruas diretamente com os locais É uma forma de garantir que o dinheiro irá
diretamente para as famílias locais e não para as mãos dos governantes.
Visto
Atualmente,
com a abertura do país ao turismo, o governo facilitou a emissão do visto para
turistas (que dura até 30 dias). O mesmo pode ser facilmente obtido junto ao site:
http://evisa.moip.gov.mm/
Você
preenche o formulário, anexa uma foto 3x4 de até 2mb e paga a taxa de U$50
(pode pagar com cartão de crédito). Em mais ou menos 3 dias úteis é liberada a
carta de autorização de visto e entrada no país. Basta imprimir esta carta e
apresentar-se na imigração munido com a mesma e passaporte com validade mínima
de 6 meses. Simples e rápido. Obs: guarde muito bem esta carta enquanto estiver
dentro do país, pois ela é seu visto e sua garantia de regularidade com a
imigração. Perdê-la significará um motivo para ter problemas com o regime
militar birmanês, o que, pelo seu histórico, não parece uma boa ideia.
O que fazer
Antes
de mais nada e independente do que você procura no Myanmar tenha mente que, se
você não gosta de simplicidade, ou pelo menos não pode lidar com ela, você vai
se sentir desapontado neste país. Tudo, absolutamente tudo é muito simples.
Tudo é pé no chão e em muitos templos não são permitidos nem meias nos pés.
Em
Yangoon, a grande atração visual é o Shwe Dagon Pagoda. Um lugar energético e espiritual que vale a pena conhecer é o Botahtaung Pagoda. Um passeio relax é
uma volta no lago Karaweik para ver a barca real que é bem bonita e tirar
algumas fotos. Se você aprecia jóias, vá ao Bogyoke Market, um mercado de jóias
com peças de rubi e jade a preços atrativos, alguns vendedores fornecem certificado
de qualidade da pedra preciosa.
Em
Bagan, lugar que mais gostei, vale a pena tirar uns 5 dias ou mais para fazer tudo com
calma e perder-se pelas ruas e estradinhas de terra de moto ou bicicleta
motorizada, ver o pôr do sol nos templos a perder de vista e em um barco no rio Ayeyarwady e visitar um
vilarejo de pescadores. São mais de 3 mil templos nos arredores da cidade e
você sempre achará algo novo para fazer.
Se
tiver grana, invista em um passeio de balão sobre as planícies de Bagan. É
absurdamente inflacionado (330U$ por pessoa), mas é daquelas coisas que você
fará somente uma vez na vida. Juntei, espremi, apertei, tirei daqui e dali, paguei
e não me arrependi nem um pouco. Sua alma vai te agradecer.
O
Lago Inle é sim imperdível porque é diferente, tem uma aura meio bulcólica, um
clima diferente e, além disso, a forma diferenciada de pesca local é muito
interessante e bacana de se ver. É a Veneza asiática, totalmente roots, claro.
As casinhas de palafita são charmosíssimas e nada como almoçar em um
restaurante de palafita tomando uma boa e gelada cerveja Myanmar. Mas
um dia é suficiente para ver tudo no lago Inle. Também não se demore aqui.
Hospedagem
Diferentemente
dos outros países, chegar com a mochila nas costas batendo de porta em porta
nas guesthouses não é uma boa ideia. Vi gente passar horas em uma madrugada
fria procurando por um quarto e tudo estava cheio. Isto acontece porque não há
muitas opções de hospedagem no país, lembrando que turismo ainda é uma
atividade recente e em crescimento. Hostels quase não existem, é um ou outro
ali ou aqui com preço nada atrativo, e olhe lá. Mas você também não precisa se
desesperar para garantir sua hospedagem com meses de antecedência. Uma semana,
em geral, é suficiente. Foi com este intervalo de tempo que enviei um e-mail ao
Motherland inn Guesthouse, em Yangoon, e solicitei a minha reserva que foi
confirmada imediatamente. Um quarto privado para uma pessoa por 27U$, sendo o
banheiro compartilhado. Tudo muitíssimo
simples, não espere muito conforto e nenhum luxo, de verdade. Roots level hard. Aliás, no país inteiro
predomina forte pobreza. Em Bagan, a opção mais em conta que encontrei foi o
May Kha Lar Guesthouse que, não me lembro ao certo, mas paguei algo em torno de
15 ou 25U$ pela diária de um quarto privado (banheiro partilhado) com café da
manhã simples porém muito saboroso. Essa guesthouse é onde a maioria dos
mochileiros fica por ser a melhor opção custo x benefício de Bagan, que é a
cidade mais turística do país e, conseqüentemente, onde estão os preços mais
inflacionados.
Não
há email do May Kha Lar Guesthouse, nem contato para reservas via internet. Cheguei
em Yangoon e pedi na recepção do Motherland Inn para que ligassem para o May
Kha Lar e fizessem a minha reserva. É assim que são feitas as reservas de guesthouses
em todo o país. Em qualquer lugar que você estiver, assim que chegar, peça na
recepção de sua pousada atual para que telefonem para a da próxima cidade em
que ficará. Eles o farão com a maior boa vontade e haverá alguém a sua espera
quando chegar ao próximo destino.
Se
você não abre mão de quarto e banheiro privados, o preço mínimo é a partir de
35, 40U$ pela diária.
Custos
Mesmo
com um custo médio diário ainda considerado barato quando comparado aos padrões
com os quais estamos acostumados, o Myanmar ainda foge a regra de preços
baratíssimos dos países asiáticos. Os valores não são muito atrativos para mochileiros,
com exceção da comida, que gastei na faixa de 6 a 10U$ por dia (incluindo todas
as refeições). Gastava 10U$ quando fazia a extravagância de ir em algum restaurante caro.
Os taxis não possuem taxímetro então sempre negocie bem o preço antes
de aceitar a corrida. Em Yangoon não gastei tanto com taxi, mas em Bagan foram
10U$ por dia somente para taxistas. O ideal lá é alugar uma moto para quem sabe
andar ou uma bicicleta para que gosta de pedalar, pois a distância entre os
templos é um pouco longe. Mas ainda assim, recomendo o planejamento e o
considero um lugar imperdível.
Transporte
Avião:
Há algumas cias aéreas locais que operam entre as principais cidades e não
há vôos todos os dias. Além do mais, é necessário reservar tudo com
antecedência. Os preços são nada convidativos também.
Ônibus:
maneira mais barata de se locomover no país. Porém, as estradas não são muito
apresentáveis e a distância entre as principais cidades é bastante longa, o que
demandará tempo e paciência. No mais, no quesito conforto, tudo é realmente
muito precário. Poltronas fedidas e de dar dor nas costas. Os banheiros nas
paradas são assombrosos, podendo facilmente serem comparados com os da Índia. A
comida nas paradas é complicadíssima. Mesmo os mais desapegados encontram dificuldades
de encontrar algo que dê para encarar. Portanto, ao viajar de ônibus do
Myanmar, abasteça a mochila antes com biscoitos, chocolates, salgadinhos e
petiscos para toda a viagem.
Taxi:
não possui taxímetro, negocie antes e com bastante pechincha.
Charrete:
geralmente são mais baratas, mas são em péssimas condições, principalmente para
os animais que sofrem absurdamente. Evite-as.
Considerações
finais
O
melhor do Myanmar sem dúvidas é o seu povo, e a “rotina” de acordar cedo para ver
o sol vermelho a nascer e depois a se pôr, dia após dia. Ver os monges passarem em fila a cada manhã, descalços, recolhendo doações da comida que comerão ao longo do dia. Caminhar pelas ruas sem hora marcada, observando as pessoas e o olhar das crianças.
Não espere muita
estrutura de nada, vá de coração aberto a entender aquelas pessoas, porque é
exatamente assim que elas vão te receber.
Espero
ter ajudado,
Abraço
=)
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